sexta-feira, 8 de novembro de 2013

O vizinho do apartamento de cima




Vivia no apartamento de cima. Era o vizinho mais simpático que tinha. Sorria sempre que me cruzava com ele, ou cada vez que lhe levava os sacos das compras até ao quinto andar. No fim do Verão, das minhas férias, fui levar-lhes um saco com batatas, cebolas e ovos que os meus pais mandaram de propósito para eles. Reparei que já não tinha grande força para agarrar o saco, mas sorriu-me de volta, agradeceu-me: “Obrigado, menina Liliana”. Não precisavam, mas eu gostava de lhes trazer comida da terra. E eles também. Soube hoje que tinha morrido. Não sei quando, não tive coragem de perguntar à dona América, a mulher, que depois de 53 anos lado-a-lado o descreveu assim: “Era o meu melhor amigo”. Chorou. Vestida de preto dos pés à cabeça disse-me que tem estado sozinha em casa. Doeu-me.

Há três anos que me disse como se chamava. Esqueci-me. Lembro-me de outras coisas mais importantes do que a etiqueta do nome. Nunca mais lhe perguntei o nome porque isso não interessava. Para mim era o marido da dona América e o vizinho mais simpático que eu tinha. Era o vizinho que dizia aos meus pais - das poucas vezes que cá vieram - que eles tinham uma “rica filha”, ou que pôs a minha avó a chorar quando lhe disse que gostava muito de mim. E disse-o sem conhecer muito da vizinha do 4º dto. Sabia apenas o que lhe dizia quando falava com ele na soleira da porta ou à mesa de jantar. Foram poucas vezes, deviam ter sido mais. Fazemos pouco, muito pouco por quem tem tanto para dar. Eu fiz pouco.

Não tive coragem de perguntar há quanto tempo tinha sido, tal como não tive coragem de me encarar por há mais de um mês não os ir visitar. Estou triste porque já não vou ouvir o meu vizinho de cima arrastar cadeiras no chão. Mas fico ainda mais triste por me dar conta que vivo num mundo onde uma pessoa desaparece e a vizinha de baixo não dá conta disso. E eu sou a vizinha de baixo.

Hoje lembrei-me de Tomásia Ofélia. Ela também morreu e só eu dei pela falta dela em Lisboa. 

http://www.ionline.pt/artigos/portugal/novas-rendas-lei-entrou-porta-dentro-ameaca-roubar-lhes-casa



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